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http://dx.doi.org/10.22201/ceiich.24485691e.2022.28.69677 | 15(28), 1e-22e, enero–junio 2022

Artículos de revisión

 

Governança, nanotecnologia e a necessidade de capacitação da força de trabalho

Gobernanza, nanotecnología y necesidad de formación de la fuerza de trabajo

Governance, nanotechnology and the need for training the workforce

Arline Sydneia Abel Arcuri*

Jorge Marques Pontes**

Jose Renato Alves Schmidt*

Luís Renato Balbão Andrade*

Maria de Fatima Torres Faria Viegas*

Valéria Ramos Soares Pinto*

Antonio Gracias Vieira Filho***


* FUNDACENTRO – Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho. Brasil.

** Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Brasil.

*** Pesquisador na área de gestão e cultura contemporânea. Brasil.

Autor responsável: arline@fundacentro.gov.br


Resumo:

Este artigo tem por objetivo evidenciar as contribuições do projeto “Impactos das nanotecnologias na saúde dos trabalhadores” desenvolvido pela Fundacentro, Brasil, entre 2006 e 2019, para a capacitação dos trabalhadores, tendo em vista uma governança participativa em nanotecnologia. Foram utilizados como indicadores destas contribuições a descrição das ações desenvolvidas e um levantamento de citações encontradas na internet sobre o projeto, especialmente as produzidas por sindicatos ou entidades de trabalhadores. Ao evidenciar as ações desenvolvidas e as referências feitas à estas ações na Internet e publicações sobre o tema é possível não só garantir a pertinência do projeto, como também obter uma indicação consistente do alcance e difusão dos conhecimentos abordados.

Palavras-chave: governança participativa, políticas públicas, nanotecnologia, capacitação de trabalhadores.

Resumen:

Este artículo tiene como objetivo resaltar las contribuciones del proyecto “Impactos de las nanotecnologías en la salud de los trabajadores” desarrollado por Fundacentro, Brasil, entre 2006 y 2019, para la formación de trabajadores con miras a la gobernanza participativa en nanotecnología. Como indicadores de estos aportes se utilizó la descripción de las acciones desarrolladas y una colección de citas encontradas en Internet sobre el proyecto, especialmente las producidas por sindicatos u organizaciones de trabajadores. De esta forma, destacando las acciones llevadas a cabo y las referencias que se hacen sobre estas acciones en Internet y las publicaciones sobre el tema, es posible no solo garantizar la relevancia del proyecto, sino también obtener una indicación coherente del alcance y difusión de los conocimientos abordados.

Palabras clave: gobernanza participativa, políticas públicas, nanotecnología, formación de trabajadores.

Abstract:

This article aims to highlight the contributions of the project “Impacts of nanotechnologies on workers’ health” developed by Fundacentro, Brazil, between 2006 and 2019, for the training of workers with a view to the participatory governance in nanotechnology. As indicators of these contributions, it was used the description of the actions developed and a collection of citations found on the Internet about the project, especially those produced by unions or workers’ organizations. On this way, uncovering the actions developed and the references made about these actions on the Internet and publications on the topic, it is possible not only to guarantee the relevance of the project, but also to obtain a consistent indication of the scope and dissemination of the knowledges addressed.

Keywords: participatory governance, public policies, nantechnology, workers’ training.

 

Recibido: 26 de mayo, 2021.
Aceptado: 13 de agosto, 2021.

 
 

Introdução

A palavra governança já é usada desde o século XIX, sendo que a partir da década de 1980 passou a ser denominada de governança corporativa devido aos conflitos no ambiente das empresas entre acionistas e demais partes interessadas nos negócios organizacionais (Serafim, Quelhas & Alledi, 2010). Este termo passou a ser incorporado a várias formas de organização, em diferentes processos de governar, seja realizado por um Estado, pelo mercado ou por uma rede; em um sistema social (familiar, de um grupo, de uma organização formal ou informal, um território ou através de territórios) ou ainda através de leis, normas, poder ou linguagem. Vale ressaltar que o que estabelece a diferença entre governo e governança é o fato de que o primeiro tem o foco no Estado e suas instituições, enquanto o segundo se baseia em atividades e práticas sociais (Bevir, 2012).

Fazer a gestão de determinado processo de elaboração de diretrizes ou de produção, implica também em uma reestruturação social. Tomemos como exemplo a indústria 4.0 ou a manufatura avançada, este tipo de produção de bens implica em mudanças sistêmicas que atingem o setor de serviços, a forma com que os consumidores se relacionam com as empresas no pré e pós-venda. Contudo, não se pode negligenciar que existe outro grupo humano envolvido em todo processo, os trabalhadores, e estes, mesmo que em número menor que na indústria tradicional, também são atingidos pelas mudanças no processo de produção.

Estas mudanças geradas a partir da adaptação a novas formas de produção podem influenciar relações no ambiente de trabalho, organização deste ambiente no seu tempo e espaço, adaptações do trabalhador às novas tecnologias, desemprego tecnológico e ainda, a relação com os fornecedores das matérias-primas. Estes impactos sistêmicos merecem uma gestão holística, uma governança, a capacidade de gerir de forma ampla um conjunto de fatores relacionados a um determinado contexto. Isto implica em conhecer os diferentes atores sociais envolvidos no contexto da gestão da empresa sejam eles, os consumidores, os trabalhadores, os fornecedores de matéria-prima (Pontes & Arcuri, 2018).

Entretanto, cada vez mais a sociedade exige responsabilidade social das empresas em relação ao meio ambiente natural e aos valores e costumes locais. Logo, se torna necessário também nesta esfera a empresa se legitimar diante da sociedade, ou seja, adquirir confiabilidade. A estratégia adotada pelas empresas privadas para que isto aconteça tem sido compartilhar a gestão empresarial com os atores sociais envolvidos através da criação de conselhos consultivos, composto por membros da sociedade. Este comportamento pode se considerar como uma atualização do próprio conceito de governança corporativa que surgiu na década de 1980.

Quando o conceito de governança passa a ser adotado pelo Estado, este não pode ter a mesma perspectiva da empresa privada, pois os problemas enfrentados pelo ente estatal são mais complexos e amplos que a empresa. A complexidade se deve aos diferentes interesses, costumes e valores dos atores sociais envolvidos. Uma empresa atende determinado público, os seus consumidores. Já o Estado atende a sociedade de modo geral - os cidadãos - e os seus atos podem influenciar outros interessados não envolvidos diretamente no problema discutido. Além disso, o Estado utiliza, entre outras formas legais, das políticas públicas como uma ferramenta impositiva para fazer valer suas ações e assim, para incorrer na legitimidade dos seus atos, ele deve utilizar abordagens mais colaborativas e participativas na gestão de interesses relacionados a um contexto, solucionando conflitos sociais para atender um objetivo comum, a isto se denomina governança democrática ou participativa (Pontes, 2015). Dingwerth (2004) destaca que governança participativa ou democrática, como ele classifica, deve ter como elementos centrais uma interação equilibrada entre as forças sociais - organizadas em grupos de interesse, partidos políticos ou outras associações voluntárias - e a dispersão do poder entre uma variedade de atores sociais.

No contexto das nanotecnologias, entende-se que para que uma governança seja, verdadeiramente, participativa é necessário que todos os envolvidos no debate estejam familiarizados com o assunto que o mobiliza - a nanociência e as nanotecnologias. Desta forma, os trabalhadores são parte interessada e devem ter protagonismo nas discussões sobre o tema, sendo que, para que isso seja possível, eles devem ter acesso às informações e conhecimentos fundamentais sobre esse campo científico. É isso o que Arns e Neumann (2015), citando trabalho de Dodd e Boyd (2000), apontam quando veem a “necessidade de se minimizar a disparidade de capacidades (capacity gap) entre os potenciais parceiros” e aconselham o fortalecimento da “habilidade das pessoas, comunidades e instituições” como algo primordial para “planejar, desenvolver, implementar e manter iniciativas exitosas”.

Foi imbuída deste espírito que entre 2006 e 2019 a Fundacentro desenvolveu um projeto de pesquisa sobre impactos das nanotecnologias na saúde dos trabalhadores e no meio ambiente. Essa iniciativa recebeu o nome de “Impactos das nanotecnologias na saúde dos trabalhadores” sendo que, nos anos finais (2018-2019), a denominação “outras tecnologias” foi incluída. É importante registrar que no Brasil, mesmo antes do projeto, já havia algumas iniciativas sindicais voltadas aos impactos das nanotecnologias na saúde dos trabalhadores (Martins e col., 2014).

Neste esteio, o projeto foi proposto, principalmente, para difundir conhecimentos para que os trabalhadores adquirissem conteúdo que permitisse a compreensão do que são as nanotecnologias, quais os possíveis riscos que elas podem ocasionar e quais as necessidades para que se protejam destes possíveis efeitos adversos. Na visão dos pesquisadores envolvidos, este seria o caminho para fortalecer os atores sociais em um debate nas empresas, nos sindicatos e nas instâncias de governança participativa promovida pelos entes governamentais.

Este artigo tem o objetivo relatar as contribuições do projeto “Impactos das nanotecnologias na saúde dos trabalhadores” desenvolvido na Fundacentro, Brasil, entre anos de 2006 e 2019, visando à capacitação dos trabalhadores, tendo em vista oportunizar a participação efetiva destes atores sociais no debate sobre nanotecnologias. Isto está em consonância com o conceito de governança participativa para o âmbito das nanociências e nanotecnologia, evidenciado nesta introdução e, acrescido da especial atenção dos pesquisadores aos possíveis impactos desta tecnologia à segurança e a saúde dos trabalhadores.1

A Fundacentro e a metodologia descritiva deste artigo

Inicialmente, cabem esclarecimentos sobre a instituição onde o projeto em análise foi gestado e implantado, a Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho - Fundacentro, pois, trata-se de uma instituição estatal, de nível federal, fundada em 1966 e que possui autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. A finalidade precípua é a de elaborar estudos e pesquisas sobre as questões de segurança, higiene, meio ambiente e medicina do trabalho. Ressalta-se que nos desdobramentos desta finalidade, encontra-se a de desenvolver e executar programas de formação, aperfeiçoamento e especialização de mão de obra profissional, relacionados com as condições de trabalho nos aspectos de saúde, segurança, higiene e meio ambiente do trabalho e do trabalhador.

A instituição possui pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento, característica que coaduna com o seu campo de atuação que é a saúde do trabalhador, interdisciplinar e multiprofissional, que tem complexos processos de análise do trabalho imbricado com a saúde (Pontes, 2015). O projeto “Impactos das nanotecnologias na saúde dos trabalhadores” desenvolvido na instituição a partir de 2006 guarda uma estreita relação com a finalidade precípua da entidade, assim como a formação de seus pesquisadores participantes do projeto e os quais, alguns deles, são autores neste artigo.

Para avaliar a contribuição de 13 anos (2006-2019) do projeto no fomento de uma governança participativa em nanotecnologia, foi elaborado o relatório final entre janeiro e julho de 2020, com buscas em bases de referências acadêmicas - Google Acadêmico e Web Of Science -, nos bancos de teses e dissertações de universidades brasileiras, na internet em geral por citações de trabalhos, nos relatórios internos de cursos, eventos, estratégias de comunicação científica desenvolvidas e revisões de literatura realizadas pelos integrantes do projeto. Ressalta-se que no resumo dos achados deste relatório final, ainda não publicado, e em registros e relatórios internos do projeto feitos durante sua vigência, existe uma carência de textos elaborados por entidades sindicais que façam referência a este projeto desenvolvido pela entidade.

Na relação de resultados de resultados da busca se encontra 220 palestras, sendo que 30% delas foram diretamente programadas ou contaram com a participação de alguma entidade sindical. Isto reforça a nossa surpresa com a falta de textos elaborados por entidades sindicais relatada no parágrafo anterior. Ainda no mesmo período do projeto foram concedidas 77 entrevistas; publicados 33 artigos e capítulos de livros em revistas nacionais e internacionais; coordenados e executados 28 eventos e; ministrados inúmeros cursos e minicursos. Alguns destes relatos serão evidenciados no decorrer deste artigo.

Surgimento de instâncias de governança das nanotecnologias no Brasil

Incialmente se faz necessário destacar que no Brasil o financiamento das pesquisas em nanotecnologia começou no Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) com a criação de quatro redes científicas (nos anos 2000). Em 2004, foi incorporado no Plano Plurianual de Ciência e Tecnologia (2004-2007) um programa específico para o desenvolvimento nanotecnológico, posteriormente ampliado com o lançamento do Programa Nacional de Nanotecnologia (Berger e Berger Filho, 2021). Em anos seguintes, novas redes de pesquisa foram formadas, juntamente com a criação de comitês e fóruns para assessoramento/governança das ações relacionadas a nanotecnologia, assim como formalizadas outras iniciativas (Schmidt, 2017; Quevedo, 2019; Brasil, 2016; Plentz e Fazzio, 2013; Brasil, 2019), tais como: a) Foi instituído pela primeira vez pela Portaria nº 587, de 10 de setembro de 2007, um Comitê Consultivo de Nanotecnologia (CCNano), pelo MCT; b) Em 2009 foi criado o Fórum de Competitividade em Nanotecnologia, por iniciativa do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi criado como ferramenta estratégica para apoiar a discussão e encaminhamento de iniciativas e programas segundo os objetivos da Política de Desenvolvimento Produtivo da época, que destacou a Nanotecnologia como programa mobilizador em área estratégica; c) Pela Portaria Nº 260, de 3 de maio de 2011, foi instituído o Comitê Consultivo de Nanotecnologia (CCNANO), pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Este comitê tinha como objetivo assessorar o mesmo ministério na definição dos macros objetivos, áreas prioritárias, diretrizes, alocação de recursos, avaliação de iniciativas, ações, programas e projetos da área de nanotecnologia; d) A Portaria Interministerial Nº 510, de 9 de julho de 2012, institui pelo Ministério da Ciência, tecnologia e Inovação (MCTI) o Comitê Interministerial de Nanotecnologia - CIN. Este comitê tinha a finalidade de assessorar os dez Ministérios nele representados na integração da gestão e na coordenação, bem como no aprimoramento das políticas, diretrizes e ações voltadas para o desenvolvimento das nanotecnologias no País; e) Em 2013 o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) lançou a Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia (IBN), que se caracteriza por ser um conjunto de ações com o objetivo de criar, integrar e fortalecer as atividades governamentais e os agentes ancorados na nanociência e nanotecnologia, almejando o desenvolvimento científico e tecnológico do setor, com foco na inovação (BRASIL,2013a); f) O Decreto nº 10.095, de 7 de novembro de 2019 instituiu o Comitê Consultivo de Nanotecnologia e Novos Materiais (CCNANOMAT). Segundo o MCTI este comitê foi criado no âmbito da governança das temáticas de Nanotecnologia e Novos Materiais.

Segundo Invernizzi e colaboradores (2019), no Brasil:

A rápida inclusão da nanotecnologia na agenda da PCTI (política de ciência, tecnologia e inovação) resultou da ação conjunta de três elementos: a influência internacional, o protagonismo da comunidade científica local, e uma racionalidade comum compartilhada por organizações internacionais, decisores políticos e cientistas sobre o papel da ciência na inovação e no desenvolvimento.

Desta forma as ações voltadas ao tema visavam especialmente a promoção da competitividade nacional. Ainda segundo Invernizzi e colaboradores (2019) e que também pode ser observado nas primeiras ações governamentais no Brasil com relação à nanotecnologia, o primeiro comitê em 2007 era centrado na presença de cientistas que já vinham trabalhando na área, antes mesmo destas iniciativas governamentais. O segundo comitê instituído em 2011 também era formado por cientistas ligados a universidades ou instituições públicas como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e outras além de representantes de entidades de setores industriais tais como Associação Nacional de P&D das Empresas Inovadoras (ANPEI) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Em 2012, visando a governança das ações voltadas à nanotecnologia no país, foi instituído o Comitê Interministerial de Nanotecnologia. Originalmente este comitê era formado por 8 ministérios e depois foram acrescidos os Ministérios do Trabalho e da Defesa da época, este último porque tem sob sua estrutura a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). Também, como convidados, participavam a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o BNDES, o CNPq, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Finep, por terem segundo estes autores, papel central na definição e implementação da Política Brasileira de Nanotecnologia (PBN) (Plentz e Fazzio, 2013). Como representantes do Ministério do Trabalho neste comitê foram indicados o Dr. Luís Renato Balbão Andrade e a Ma. Maria de Fátima Torres Faria Viegas, ambos servidores da Fundacentro e participantes do projeto de nanotecnologia da entidade. Na primeira reunião com a participação do Dr. Andrade, o mesmo sugeriu que fossem convidados para o Comitê representantes de sindicados de trabalhadores. O convite foi feito e foram indicados pela CUT e Força Sindical os sindicalistas Antônio Goulart e Luís Carlos De Oliveira, (Ribeiro, 2013) respectivamente. Ambos os participantes de inúmeras atividades do projeto da Fundacentro.

Já o Decreto nº 10.095, de 7 de novembro de 2019 que instituiu o Comitê Consultivo de Nanotecnologia e Novos Materiais, embora prevendo em sua composição três representantes de organizações da sociedade civil, de entidades de classes ou similares, estas vagas foram indicadas para serem preenchidas pela Associação Brasileira de Startups (ABStartups); pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e pela Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento de Empresas Inovadoras (ANPEI), sem, portanto nenhuma representação dos trabalhadores (Brasil, 2020b).

Outra comissão que tem papel de governança em políticas públicas, neste caso dedicadas à segurança e saúde dos trabalhadores (SST), a Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), que revisa e elabora normas de segurança e saúde do trabalhador, é uma comissão tripartite com representação do governo, empregadores e trabalhadores. Um dos representantes dos trabalhadores, que participou ativamente do projeto da Fundacentro, levou para a comissão a necessidade de se discutir alguma regulamentação relativa à SST. Não houve progresso nesta reivindicação porque a bancada dos empregadores avaliou que isto não seria necessário, especialmente, segundo a posição deles, devido ao fato da produção de nanomateriais no Brasil ser em pequena escala.

Destaca-se ainda, embora esta ação não possa ser incluída como parte da governança em políticas públicas das nanotecnologias,2 que a Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) da Federação dos Trabalhadores do Ramo Químicos da CUT (FETQUIM - CUT) do setor farmacêutico de 2012, “registra, pela primeira vez na história do sindicalismo brasileiro - e, possivelmente, mundial - uma cláusula específica sobre nanotecnologias” (FETQUIM, 2015; Schmidt, 2017). Cláusula semelhante foi assinada na convenção coletiva com a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas do estado de São Paulo (FEQUIMFAR) (Vasconcellos et al., 2021). Estas cláusulas visam garantir o direito dos trabalhadores à:

[...] informação da introdução de nanotecnologia nas indústrias e de suas aplicações no ambiente de trabalho, apontando para a responsabilidade das empresas na prevenção sobre impactos das nanotecnologias nos trabalhadores. (Schmidt, 2017).

Cláusulas abordando nanotecnologia continuam presentes em convenções coletivas do setor farmacêutico para os anos de 2021-2023 (SINDUSFARMA, 2021). Embora estas cláusulas não poderem ser atribuídas unicamente às ações da Fundacentro, muitos dos sindicalistas tanto da CUT quanto da FEQUIMFAR participaram em inúmeras atividades desenvolvidas no âmbito do trabalho da entidade.

Contribuições do Grupo de Pesquisa da Fundacentro

Palestras informativas

Como uma das primeiras contribuições à governança participativa das nanotecnologias no país, foram realizadas palestras informativas com foco a conscientizar os trabalhadores sobre esta nova tecnologia. Uma das primeiras palestras proferida sobre o tema por pesquisador da Fundacentro ocorreu em 20 de setembro de 2007, na XIV - SEMSAT - Semana de Saúde do Trabalhador - 27 anos do Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT), com o tema “Apresentação de conceitos básicos sobre nanotecnologia” (Martins et al., 2014). Nos anos seguintes, das cerca de 220 palestras ministradas, no período do projeto, por pesquisadores da Fundacentro em eventos como seminários, congressos e debates, pelo menos 30% deles foram organizados diretamente por sindicatos e organizações de trabalhadores ou que tiveram a colaboração destas entidades.

A composição do público nestas palestras citadas era massivamente de trabalhadores interessados no tema, contando com participações eventuais de estudantes de cursos técnicos, graduação e pós-graduação. Uma estimativa média de participação pode ser considerada entre 70 pessoas. Também foram realizadas palestras em universidades, neste caso, inverte-se a ordem de composição do público. Registre-se a contribuição de sindicatos e federações dos químicos, petroleiros e metalúrgicos de diferentes regiões do país, além de departamentos intersindicais de estudos e pesquisas, entre outros.

Nota técnica

Em 2018 a equipe do projeto elaborou uma nota técnica sobre “Os desafios da Saúde e Segurança do Trabalho (SST) para uma produção segura com o uso de nanotecnologias”, aprovada pela gestão da Fundacentro, publicada no portal da instituição com a designação “Nota Técnica nº 1/2018/FUNDACENTRO”.

Esta publicação técnica tinha o objetivo de “[...] informar a sociedade sobre os possíveis riscos especialmente da nanotecnologia à saúde do trabalhador, destacar diversos aspectos a serem observados e recomendar ações para evitar ou ao menos minimizar os possíveis riscos advindos destas novas tecnologias” (FUNDACENTRO, 2018).

Este documento foi citado, referenciado ou republicado por portais de diversas associações e entidades, e referenciado em diversos trabalhos acadêmicos (ANAMT, 2018; Bruch e Alves, 2019; Revista Proteção, 2018; FACTREM 2S, 2018; Leite, 2018; TESD, 2018; SINDMETAL, 2018 ; Inteligência Ambiental, 2018; PATISEG, 2019; Bruch e Alves, 2019; Quevedo, 2019; Silva, 2020).

Esta nota técnica, assim como outras referências ao trabalho da Fundacentro em nanotecnologia, consta dos anais do 13º Seminário Internacional de Governança e Sustentabilidade, realizado na Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI - Itajaí, em outubro de 2018. Estas informações se encontram no capítulo: “Breves considerações acerca de sustentabilidade e precaução na produção e uso da nanotecnologia” de autoria do Dr. Guilherme Kirtschig. (Kirtschig, 2018). É importante ressaltar que, em 6 de julho de 2018 foi publicada a tradução em espanhol do Dr. Mauricio Berger da Nota Técnica da Fundacentro na Revista Digital Administración Pública y Sociedad (APyS, 2018).

Histórias em quadrinhos (HQs)

Mais uma estratégia de comunicação científica pensada e desenvolvida pelos integrantes do projeto foi a preparação de histórias em quadrinhos (HQs), como uma ferramenta pedagógica para o trabalho de difusão de conhecimentos (ver Figura 1).

 

Figura 1 Histórias em Quadrinhos.

 

Alexandre Custódio Pinto e Antonio Gracias Vieira Filho (Pinto & Vieira Filho, 2009) elaboraram um projeto para a produção destas HQs, no qual ressaltam que “[...] os quadrinhos (ou “arte sequencial”) permitem uma comunicação ágil com o leitor e seu conteúdo artístico é capaz de tornar inteligíveis mesmo as ideias mais complexas e de difícil visualização”. Eles ressalvam que é preciso seduzir o trabalhador para a grandiosa importância do tema dos impactos sociais, ambientais e éticos da nanotecnologia, com ênfase para o universo do trabalho e, para possibilitar a diversidade de posicionamentos e a troca de posições, um amplo debate de ideias em relação ao tema, os autores propuseram que em todas as HQs houvesse a participação de pelo menos três personagens centrais, todos trabalhadores, com posturas conflitantes em relação às novas tecnologias. A inspiração para a criação destes personagens foram os diálogos de Galileu (Galilei, 2011).

Os diálogos das HQs de nanotecnologia giram em torno de três personagens baseados em Simplício, Sagredo e Salviatti. Cada um deles representa uma visão de mundo no conflito entre abordagens aristotélicas e copernicanas e, ainda, uma terceira visão - intermediária - que promove a dúvida, o debate e a reflexão. A equipe do projeto propôs que cada HQ fosse dirigida a uma atividade econômica e que cada um dos três personagens dos materiais formativos representasse uma postura diferente frente às novas tecnologias.

Para conseguir maior mobilidade e abranger mais situações que envolvessem a nanotecnologia, a ação dos personagens é ambientada em uma empresa transportadora. Em cada edição há uma tarefa da transportadora em que surgem os imprevistos que permitem o aprendizado e debate dos temas da nanotecnologia. As situações são como exemplos: a entrega de equipamentos em laboratórios, feiras e eventos científicos; transporte de pessoas; e/ou entregas em hospitais e em empresas que trabalham com nanopartículas ou desenvolvem processos nanotecnológicos.

Esta estratégia contou com a expertise dos pesquisadores do projeto e sindicalistas que participaram do projeto da Fundacentro e contribuíram nas escolhas dos temas e roteiros das HQs. Assim, foram produzidas seis HQs, sendo as quatro primeiras traduzidas para inglês e espanhol com os seguintes títulos originais: Nanotecnologia O Transporte para um Novo Universo - HQ1; Nanotecnologias: Maravilhas e Incertezas no Universo da Química - HQ2; Nanotecnologia: Um universo em construção - HQ3; Nanotecnologia: no campo - HQ4; Nanotecnologia no setor metalúrgico automotivo - HQ5 e Nanotecnologia no setor metalúrgico - fabricação de autopeças - HQ6. Estas publicações podem ser encontradas para livre acesso no portal da Fundacentro, desde que citada a fonte.

Um exemplo do alcance deste trabalho feito pela equipe do projeto é a publicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) feito por Quevedo e Eloisa (pp. 301 e 313, 2018) “Uma experiência de educomunicação inovadora: as histórias em quadrinhos sobre nanotecnologia produzida no Brasil” onde fazem uma análise das HQs da Fundacentro, do qual se extrai o seguinte:

As abordagens das HQs demonstraram perspectivas para além da dicotomia benefícios versus riscos, abrindo um leque de novas reflexões sobre capacitação e preocupação de trabalhadores, entendimentos sobre efeitos de nanoprodutos, ausência de pesquisas sobre riscos e testes, entre outras problemáticas sociais, políticas e economicamente relevantes para a sociedade, os cientistas e as próprias empresas que já produzem com nanotecnologia. A perspectiva da educomunicação presente nas HQs busca esclarecer sobre o que é a nanotecnologia, as suas controvérsias quanto a riscos Environment, Health and Safety (EHS) e aspectos Ethical, Legal, and Social Implications3 (ELSI), levantando questionamentos sobre as consequências disto para a sociedade, de forma atraente e emancipadora. Nota-se que no Brasil, até o momento, esta é a primeira iniciativa pública e gratuita que se tem conhecimento que promoveu um enfoque mais reflexivo sobre os impactos da nanotecnologia para o público em geral, utilizando-se de uma linguagem descomplicada e inteligível a qualquer pessoa. Isto é aferido visto que não foram encontradas iniciativas similares sobre nanotecnologia nas plataformas governamentais brasileiras.

Em 2019, Juliana Correia Almeida, defendeu tese de doutorado no Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe, com o título “Para o mundo ver? Redes de pesquisa na divulgação científica e engajamento público na internet: o caso da rede nacional de nanotecnologia sociedade e meio ambiente - RENANOSOMA4”, onde faz inúmeras citações do trabalho da Fundacentro em nanotecnologia, com destaque para as histórias em quadrinhos (HQs).

As HQs elaboradas pela equipe do projeto foram citadas e reproduzidas em inúmeros portais, de sindicatos e organizações de trabalhadores, acadêmicos e de associações de profissionais de segurança e saúde do trabalho. Alguns exemplos: Portal dos trabalhadores do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e Materiais Elétricos de Jaguariúna, Amparo, Pedreira, Serra Negra e Monte Alegre do Sul - SINDMETAL: “Lançada história em quadrinhos sobre nanotecnologia no setor metalúrgico” (SINDMETAL, s.d.); Portal da Federação dos Trabalhadores do Ramo Químicos da CUT do Estado de São Paulo (Fetquim) (FETQUIM, 2012); O Sindicato dos Técnicos de Segurança do Trabalho no Estado de São Paulo (SINTESP) disponibilizou a HQ “Nanotecnologia no Setor Metalúrgico Automotivo” em sua página (SINTESP, 2017a); O sindicato dos Químicos do ABC publica em seu portal a matéria: “Rio+20: Sindicato participa da Rio NanoSummit 2012”, onde faz referência a uma HQ da Fundacentro e palestras proferidas sobre nanotecnologia por profissionais da entidade (Químicos ABC, 2012).

Entrevistas e reportagens

Durante os 13 anos do projeto foram ministradas 220 palestras, (30% delas foram diretamente programadas ou contaram com a participação de alguma entidade sindical); realizadas 77 entrevistas, publicados 33 artigos e capítulos de livros em publicações nacionais e internacionais; coordenados e executados 28 eventos, ministrados inúmeros cursos e minicursos (ver Figura 2).

 

Figura 2 Entrevistas e reportagens.

Fonte: Elaboração dos autores.

 

Em várias publicações da Confederação Nacional do Ramo Químico da CUT (CNQ-CUT) aparecem referências ao trabalho desenvolvido pelo projeto de nanotecnologia da Fundacentro. Há um destaque, por exemplo, na publicação “80 anos - Químicos do ABC”, organizada por Todeschini (2018), onde um item é dedicado à ação sindical em nanotecnologias, incluindo a referência a um seminário realizado em parceria com a Fundacentro, que intensificou o engajamento da categoria dos químicos sobre a necessidade de mais conhecimento sobre os impactos destas tecnologias na saúde dos trabalhadores.

Thomaz Ferreira Jensen, economista do DIEESE destaca em várias publicações e entrevistas o trabalho da Fundacentro no tema, fazendo muita referência à história em quadrinhos n.02, “Nanotecnologias: Maravilhas e Incertezas no Universo da Química”, da qual foi um dos autores, como material a ser usado em cursos de capacitação de membros da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), no tema nanotecnologia (Químicos ABC, 2010). No Brasil a norma regulamentadora número 5 (NR 5) exige que empresas de determinado grau de risco e a partir de certo número de trabalhadores, constitua uma CIPA, formada por trabalhadores da empresa (Brasil, 2019).

Cursos e seminários sobre nanotecnología

Ainda no início do projeto, entre os dias 3 e 4 de outubro de 2007, a Fundacentro realizou o Seminário “Nanotecnologia, saúde dos trabalhadores, alimentos e impactos à sociedade e ao meio ambiente” em conjunto com DIESAT; Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA); Organização Regional Interamericana de Trabalhadores (ORIT); Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE); Intercâmbio Informações Estudos Pesquisas (IIEP) e a Rede de pesquisa em nanotecnologia, sociedade e meio ambiente (RENANOSOMA), esta última parceira do projeto desde seu início (Cristhina, 2007; Martins et al., 2014).

Após este evento, pesquisadores da Fundacentro colaboraram na produção do texto “Apontamentos para um posicionamento sindical sobre os impactos éticos, sociais e ambientais da introdução de nanotecnologias nos alimentos, produtos e processos produtivos”, documento no qual os participantes “procuraram organizar as questões e problemas relativos aos impactos das nanotecnologias sobre os processos de trabalho, a organização e a capacitação dos trabalhadores” (Martins et al., 2014).

Em dezembro de 2008, a Fundacentro organizou o “II Seminário Internacional Nanotecnologia e os Trabalhadores” em conjunto com RENANOSOMA; IIEP; DIESAT; ORIT; DIEESE; Centro de Referência em Saúde dos Trabalhadores de São Paulo (CEREST/SP) e Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo (SRTE/SP). Em 2010 a Fundacentro organizou o seminário “Simpósio internacional de Impactos das nanotecnologias sobre a Saúde dos trabalhadores e sobre o meio ambiente”, com a colaboração do CEREST/SP, Conselho Regional de Química da IV Região (CRQ - IV), DIEESE, DIESAT, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ), IIEP; Instituto Observatório Social (IOS) e RENANOSOMA. Em 2013 é realizado o Seminário “Nanotecnologia”, organizado pelo Sindicato Metalúrgico de São Paulo e Mogi das Cruzes e FUNDACENTRO. Já em 2015 foi realizado o seminário “Nanotecnologia: Saúde do Trabalhador e impactos ao Meio Ambiente” com apoio do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro SINDIPETRO/RJ.

Para ilustrar esta robusta produção do projeto destacamos que foram ministrados cursos sobre a temática com a participação de milhares de trabalhadores e aqui segue a relação de alguns deles: (ver Tabela 1).

 

Tabela 1 Cursos.

Ano Curso Cidade
2010 Nanotecnologia e os trabalhadores - Colaboração/Apoio - IOS, DIEESE e RENANOSOMA São Paulo
Nanotecnologia e Interações com a Agricultura e Comunidades Rurais - Colaboração/Apoio - FETACRE Rio Branco
2012 Conceitos de nanotecnologia e impactos à saúde dos trabalhadores -Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário Chapecó
Conceitos de nanotecnologia e impactos a saúde dos trabalhadores Curitiba
Conceitos de nanotecnologia e impactos à saúde dos trabalhadores São Paulo
2013 Nanotecnologias e outras novas tecnologias e impactos à saúde dos trabalhadores Vitória
Conceitos de nanotecnologia e impactos à saúde dos trabalhadores Curitiba
2014 Conceitos de nanotecnologia e impactos à saúde dos trabalhadores Florianópolis
2015 Conceitos de nanotecnologia e impactos à saúde dos trabalhadores - Colaboração/Apoio - SINDIPETRO/NF Rio de Janeiro
2016 Conceitos de nanotecnologia e impactos à saúde dos trabalhadores - Colaboração/Apoio - RENANOSOMA, DIESAT, Sindicatos metalúrgicos de São Paulo, CNM/CUT São Paulo
Conceitos Básicos de Nanotecnologia e Possíveis Impactos à Saúde dos Trabalhadores e ao Meio Ambiente Curitiba
2017 Conceitos de nanotecnologia e impactos à saúde dos trabalhadores São Paulo
2018 Impactos à saúde dos trabalhadores das nanotecnologias e outras novas tecnologias São Paulo
2019 Nanotecnologia, novas tecnologias e impactos na saúde do trabalhador. São Paulo
Conceitos de Nanotecnologia e Impactos à Saúde dos Trabalhadores Belo Horizonte

Fonte: Elaboração dos autores.

 

Repercussões das atividades educacionais na academia e na sociedade

Destaca-se aqui que em quase todas as participações presenciais de pesquisadores da Fundacentro havia distribuição de exemplares das HQs, o que foi possível até o seu esgotamento, além da divulgação dos endereços eletrônicos de todas as publicações que poderiam ser baixadas no portal da instituição. Ressalta-se a tradução, publicação e distribuição em 2012 do folder “Nanotecnologia Segura no Ambiente de Trabalho - Uma Introdução aos Empregadores, Gerentes e Profissionais da Saúde e Segurança”, tradução institucional feita por integrantes do projeto de uma publicação original do National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH - Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional).

As atividades dos pesquisadores do projeto visavam interagir, através de ações do tipo curso, seminários, publicações originais e traduzidas, com a dimensão coletiva da comunicação científica, ou seja, não apenas a comunicação entre o cientista e sociedade, nem apenas com seus pares, mas também com grupos de pesquisa. Assim, a tradução do NIOSH; intercâmbio de informações com a Organização Mundial da Saúde (OMS); grupos não governamentais como a Rede Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente; grupos de estudo do Ministério público do trabalho, facilitavam no aprimoramento das informações levadas aos trabalhadores nas atividades educacionais. Isto levava os pesquisadores a construir outra base necessária para políticas públicas participativas na governança das tecnologias, a construção da dimensão da ciência como coisa pública (Pontes, 2017).

Foi através desta caminhada interativa com grupos de estudo e pesquisa inter-multidisciplinares que foi possível o desenvolvimento de instrumentos e linguagem adequada para alcançar trabalhadores de diferentes segmentos e classes da sociedade brasileira e um exemplo disso, são as HQs sobre as quais relatamos acima. Mas não apenas os trabalhadores foram alcançados por estas ações, a academia também foi influenciada e ensejou o surgimento de novas pesquisas e pesquisadores do assunto em diferentes áreas.

Vejamos alguns exemplos desta interação com grupos e pesquisadores, além de resultados das atividades educacionais. Em 2018, profissionais da Fundacentro ministraram um curso sobre nanotecnologia promovido pelo Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina - MPT-SC e a Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho - CODEMAT que deu origem a uma matéria publicada no portal da Associação Catarinense de Medicina do Trabalho - ACAMT. (ACAMT, 2018) e (JusBrasil, 2018).

Em 2019, Bruch e Alves publicam o artigo “A Nanotecnologia e os Desafios da Gestão de Saúde e Segurança do Trabalho”, onde pode ser lido o seguinte comentário (Bruch e Alves, 2019): “[...] destaca-se no Brasil o papel exercido pela Fundacentro, que, desde 2006, iniciou um projeto de levar à sociedade informações acerca das nanotecnologias”.

Foram escritos diversos capítulos de livros editados por entidades sindicais, entre estes o livro “Trabalho e Saúde: tópicos para reflexão e debate” editado pelo DIESAT em 2008 foi feito o capítulo “Alguns impactos da nanotecnologia no mundo do Trabalho”. Livro “Ação sindical para o enfrentamento do risco químico no local de trabalho - um manual para sindicatos e organizações nos locais de trabalho” editado pela International Federation of Chemical, Energy, Mine and General Workers’ Unions (ICEM) e a International Labour Foundation for Sustainable Development. (SustainLabour) em 2010, foi produzido texto sobre “Incertezas de um risco emergente: as nanotecnologias” no capítulo 2 “Os riscos e os danos à saúde nos setores onde trabalhamos (e como controlá-los)”. Esta publicação integrava o projeto “Facilitar a Implementação do Enfoque Estratégico para a Gestão Internacional das Substâncias Químicas - SAICM - pelos trabalhadores e trabalhadoras no local de trabalho”. Em 2010 teve início a participação no projeto de “Nanotecnologia e Interações com a Agricultura e Comunidades Rurais” do IIEP que produziu o Guia de nanotecnologias para trabalhadores, disponível na Internet (ANAMT, 2015).

Inúmeras outras atividades como monografias, dissertações e teses foram influenciadas pelos trabalhos dos pesquisadores do projeto “Impactos das nanotecnologias na saúde dos trabalhadores” desenvolvido pela Fundacentro. Além disso, livros e entrevistas contribuíram para o esclarecimento da população e para a melhor governança das nanotecnologias nas instâncias de discussão. Destacam-se aqui algumas destas contribuições.

Em junho de 2010 a socióloga Cibele Caroline Cavichiolo, em sua “Monografia apresentada ao curso de Ciências Sociais, Universidade Federal do Paraná, como requisito para a conclusão do Bacharelado, área de Sociologia.” (Cavichiolo, 2010). Cita várias vezes o trabalho da Fundacentro em nanotecnologia, onde se destaca o texto:

Em minha análise, grande parte do material encontrado que permite ou inclui a Sociologia nessa discussão ou fomenta a discussão das implicações sociais do avento da nanotecnologia se devem a iniciativas da Fundacentro por meio de conferências, Simpósios, divulgação na ALL TV, juntamente ao IIEP - Intercâmbio, Informações e Estudos e Pesquisas.

Na dissertação de mestrado de Dilnei José Eidt, sobre “A fiscalização das normas regulamentadoras da segurança e saúde do trabalho no âmbito das microempresas e empresas de pequeno porte - MPE” defendida na Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECÓ, Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito” em 2017, é citado inúmeras vezes o “Guia de nanotecnologia para trabalhadores”, publicado pelo IIEP, que contou com a colaboração da Fundacentro (Eidt, 2017).

Considerações finais

Do exposto, se pode identificar que o projeto “Impactos das nanotecnologias na saúde dos trabalhadores” desenvolvido pela Fundacentro entre 2006 e 2019, alcançou como alvo principal a difusão de conhecimentos sobre os riscos ocupacionais oriundos da manipulação dos nanomateriais, por meio de duas frentes: (1) a produção de material didático orientativo ou de reflexão sobre o assunto e, (2) a discussão do tema e sua difusão através de palestras, seminários, cursos e participações dos técnicos do projeto em eventos de SST.

Em relação a produção de material orientativo, se destaca a produção de seis títulos de histórias em quadrinhos, quatro delas vertidas para a língua espanhola e inglesa, todas disponíveis para download gratuito no site da Fundacentro.

É importante destacar nesta iniciativa a participação das representações dos trabalhadores (sindicatos e outras organizações sindicais) e de demais interessados no desenvolvimento do material o que, por si só, aponta a estratégia utilizada ao longo do desenvolvimento do projeto, qual seja, o envolvimento especialmente dos trabalhadores na condução das discussões sobre o desenvolvimento tecnológico representado pelo uso de nanomateriais e seus impactos para a SST. Se um dos objetivos é propor a modificação da forma como são conduzidas as questões oriundas da introdução de novas tecnologias no mundo do trabalho, incluindo trabalhadores e sociedade em geral, nada mais justo do que iniciar esta mudança pela própria condução do projeto.

Em que pese a dificuldade de avaliar ou mensurar o alcance destas ações, a robusta produção de materiais educativos e técnicos sobre os impactos das nanotecnologias sobre a segurança e saúde dos trabalhadores, como já mencionado, indica a possibilidade de que os trabalhadores tenham hoje mais informações e subsídios para formar opiniões que possam contribuir na governança das nanotecnologias no Brasil. No que tange a difusão de conhecimentos estima-se que mais de 60.000 pessoas foram diretamente atingidas pelas participações em eventos, cursos, palestras e discussões sobre o assunto.

Desafortunadamente, não foram encontradas referências à inclusão dos trabalhadores nas discussões sobre o tema, pelo que é possível imaginar que mesmo dispondo do conhecimento necessário às discussões os trabalhadores ainda não sejam chamados (ou lhes é dado espaço) para participar da governança das nanotecnologias. Esta constatação não chega a surpreender, posto não haver ainda uma cultura generalizada no ambiente organizacional que de fato inclua a classe trabalhadora nas decisões corporativas, mesmo que tais decisões impliquem em risco, nem sempre desprezíveis, para os próprios trabalhadores.

Ninguém pode (ou deve) opinar sobre o que não conhece, assim neste cenário o primeiro passo foi dado: a difusão de conhecimentos para os trabalhadores sobre os impactos das nanotecnologias no mundo do trabalho, como mostra o levantamento alvo deste documento. A equipe do projeto e a Fundacentro continuarão empreendendo esforços para que, mais do que conhecer, os trabalhadores possam de fato participar, se convidados, na governança das nanotecnologias no Brasil.

Referências

 

1 O uso de termos no gênero masculino neste texto ocorre tão somente por adaptação às regras gramaticais, sendo assim, a utilização dos termos desta forma não contém ou implica qualquer tipo de referência sexista.

2 A Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) tem limitações que a impedem de se tornar uma política pública em sentido amplo. Em primeiro lugar por ter seus efeitos restritos aos filiados das representações assinadas no documento. Segundo, porque a discussão das cláusulas não é feita com a presença do Estado, apesar do acordo ser referendado por este.

3 As siglas vêm do inglês: Environment, Health and Safety que significa Meio Ambiente, Saúde e Segurança e Ethical, Legal, and Social Implications que significa Questões Éticas, Legais e Sociais.

4 Sistema Integrado de Gestao de Actividades Acadêmicas (SIGA), São Cristóvão, 25 de Setembro de 2021.